sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Cansaço

Estou verdadeiramente cansada. Por isso procurei na enciclopédia da minha cabeça de poetas e poemas, aquele que mais fielmente traduzisse o cansaço que arrasto dia após dia, que puxo com força desde as seis da manhã de todos os dias dos meus dias.
Não me posso esconder atrás de Álvaro de Campos (sendo Fernando Pessoa) sou Ana Bela não tenho heterónimos.

Cansaço

O que há em mim é sobretudo cansaço  -
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas -
Essas e o que falta nelas eternamente - ;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço...
                Álvaro de Campos, in "Poemas".